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Romance do Pavão Misterioso

Eu vou contar uma história
de um Pavão Misterioso
que levantou vôo da Grécia
com um rapaz corajoso,
raptando uma condessa
filha dum conde orgulhoso.

Residia na Turquia
um viúvo capitalista
pai de dois filhos solteiros,
o mais velho João Batista;
então o filho mais novo
se chamava Evangelista.

O velho turco era dono
duma indústria de tecidos,
com largas propriedades
dinheiro e bons possuídos.
Deu de herança a seus filhos
porque eram bem unidos.

Depois que o velho morreu,
fizeram combinação,
porque aí João Batista
concordou com seu irmão,
e foram negociar
na mais perfeita união.

Um dia João Batista
pensou pela vaidade
e disse a Evangelista:
- Meu mano, tenho vontade
de visitar o estrangeiro,
se não te deixar saudade.

Olhe que nossa riqueza
se acha muito aumentada
e dessa nossa fortuna
ainda não gozei nada,
portanto convém qu'eu passe
um ano em terra afastada.

Respondeu Evangelista:
- Vai que aqui ficarei
regendo o nosso negócio
como sempre trabalhei.
Garanto que nossos bens
com cuidado zelarei.

Quero fazer-te um pedido:
procura no estrangeiro
um objeto bonito
só para rapaz solteiro,
traz para mim de presente
embora custe dinheiro.

João Batista prometeu,
com muito boa atenção,
de comprar um objeto
de gosto do seu irmão.
Então tomou um paquete
e seguido para o Japão.

João Batista no Japão
teve seis meses somente,
gozando naquele império
percorreu o Oriente.
Depois seguiu para Grécia
outro país diferente.

João Batista entrou na Grécia,
divertiu-se a passear.
Comprou passagem de bordo;
quando ia embarcar,
ouviu um grego dizer:
- Acho bom se demorar.

João Batista interrogou:
- Amigo, fale a verdade,
por qual motivo o senhor
manda eu ficar na cidade?
Disse o grego: - Vai haver
uma grande novidade.

Mora aqui nesta cidade
um conde muito valente,
mais soberbo do que Nero,
pai de uma filha somente.
É a moça mais bonita,
que há no tempo presente.

E a moça que eu falo,
filha do tal potentado,
o pai tem ela escondida
em um quarto do sobrado.
Chama-se Creusa e criou-se
sem nunca ter passeado.

De ano em ano está moça
bota a cabeça de fora,
para o povo adora-la
no espaço duma hora.
Para ser vista outra vez,
tem um ano de demora.

O conde não consentiu
outro homem educá-la
só ele como pai dela
teve poder de ensiná-la
Será morto o criado
que dela ouvir a fala.

Os estrangeiros têm vindo
tomarem conhecimento
amanhã ela aparece
ao grande ajuntamento
é proibido pedir-se
a mão dela em casamento.

Então disse João Batista: 
- Agora vou demorar
para ver esta princesa
estrela deste lugar.
Quando eu chegar na Turquia
tenho muito o que contar.

Logo no segundo dia,
Creusa saiu na janela.
Os fotógrafos se vexando,
tirando o retrato dela,
quando inteirou uma hora,
desapareceu a donzela.

João Batista viu depois
um retratista vendendo
alguns retratos de Creusa,
vexou-se e foi lhe dizendo:
- Quanto quer pelo retrato?
porque comprá-lo pretendo.

O fotógrafo respondeu:
- Lhe custa um conto de réis.
João Batista ainda disse:
-Eu comprava até por dez!
Se o dinheiro fosse pouco,
empenharia os anéis.

João Batista voltou
da Grécia para a Turquia
e quando chegou em Meca,
cidade em que residia
seu mano Evangelista,
banquete ou o seu dia.

Então disse Evangelista:
-Meu mano, vá me contando
se viste coisa bonita
onde andaste passeando?
O que me traz de presente
vá logo me entregando.

Respondeu João Batista:
- Para ti trouxe um retrato
duma condessa da Grécia,
moça que tem fino trato;
custou-me um conto de réis,
inda achei muito barato.

Respondeu Evangelista,
depois duma gargalhada:
-Neste caso, meu irmão,
pra mim não trouxesse nada,
pois retrato de mulher
é coisa bastante usada.

Sei que tem muito retrato,
mas como o que trouxe, não!
Vais agora examiná-lo,
entrego em tua mão,
quando vires a beleza
mudarás de opinião.

João Batista retirou
o retrato de uma mala
e entregou-a ao rapaz,
que estava de pé na sala.
Mas quando viu o retrato,
quiz falar, tremeu a fala.

Evangelista voltou
com o retrato na mão,
tremendo quase assustado
perguntou ao seu irmão
se a moça do retrato
tinha aquela perfeição.

Respondeu João Batista:
-Creusa é muito mais formosa
de que esse retrato dela,
em beleza é preciosa.
Tem o corpo desenhado
por uma mão milagrosa.

E depois acrescentou,
fazendo um ar de riso:
-O que é isso meu irmão?
Queres perder o juízo?
Já vi que esse retrato
vai te causar prejuízo.

Respondeu Evangelista:
- Pois meu irmão, eu te digo,
vou sair do meu país,
não posso ficar contigo,
pois a moça do retrato
deixou-me a vida em perigo.

João Batista falou sério:
- Precipício não convém.
De que te serve ir embora
por este mundo além,
em procura de uma moça
que não casa com ninguém?

- Teu conselho não me serve,
estou impressionado;
rapaz sem moça bonita
é um desaventurado.
Se eu não casar com Creusa,
findo meu dia enforcado.

Vamos partir a riqueza,
que tenho necessidade;
dar balanço no dinheiro,
porque eu quero a metade.
E o que não posso levar
dou-te de boa vontade.

Deram balanço ao dinheiro,
só três milhões encontraram.
Tocou dois a Evangelista,
conforme se combinaram.
Com relação ao negócio,
da firma se desligaram.

Despediu-se Evangelista,
abraçou o seu irmão,
chorando um pelo outro
na triste separação,
seguindo um para a Grécia
em uma embarcação.

Logo que chegou na Grécia,
hospedou-se Evangelista
em um hotel dos mais pobres,
negando assim sua pista,
só para ninguém não saber
que ele era um capitalista.

Ali passou oito meses,
sem se dar a conhecer,
sempre andando disfarçado
só para ninguém saber,
até que chegou o dia
da tal moça aparecer.

Os hotéis já se achavam
repletos de passageiros.
Passeavam pelas praças
os grupos de cavalheiros;
havia muitos fidalgos,
chegando do estrangeiro.

Às duas horas da tarde,
Creusa saiu à janela
mostrando sua beleza
entre o conde e a mãe dela.
Todos tiraram o chapéu
em continência à donzela.

Quando Evangelista viu
o brilho da boniteza,
disse:- Vejo que meu mano
quis me falar com franqueza,
pois essa gentil donzela
é rainha da beleza.

Evangelista voltou
aonde estava hospedado.
Como não falou com a moça,
estava contrariado.
Foi inventar uma ideia
que lhe desse resultado.

No outro dia saiu
passeando Evangelista,
encontrou-se na cidade
com um moço jornalista.
Perguntou se não havia
pela praça algum artista.

Respondeu o jornalista:
- Tem o doutor Edmundo
na Rua dos Operários,
é engenheiro profundo.
Para inventar maquinismo
é ele o maior do mundo.

Evangelista entrou
na casa do engenheiro
falando em língua grega,
negando ser estrangeiro,
lhe propondo um negócio,
oferecendo dinheiro.

Assim disse Evangelista:
- Meu engenheiro famoso,
primeiro vá me dizendo
se não és homem medroso,
porque eu quero ajustar
um negócio vantajoso.

Respondeu-lhe Edmundo:
- Na arte não tenho medo,
mas vejo que o amigo
quer um negócio em segredo.
Como precisa de mim
me conte lá esse enredo.

- Eu amo a filha do conde,
a mais formosa mulher.
Se o doutor inventar
um aparelho qualquer
que eu possa falar com ela
pago o que o senhor quiser.

-Eu aceito seu contrato,
mas preciso lhe avisar,
que vou trabalhar seis meses,
o senhor vai esperar.
É obra desconhecida
que agora vou inventar.

- Quer dinheiro adiantado?
Eu pago neste momento.
- Não senhor, ainda é cedo.
Quando findar o invento
é que eu digo o preço,
quando custa o pagamento.

Enquanto Evangelista
impaciente esperava,
o engenheiro Edmundo
toda noite trabalhava
oculto em sua oficina
e ninguém adivinhava.

O grande artista Edmundo
desenhou nova invenção,
fazendo um aeroplano
de pequena dimensão,
fabricado de alumínio
com importante armação.

Movido a motor elétrico
depósito de gasolina,
com locomoção macia
que não fazia buzina;
a obra mais importante
que fez em sua oficina.

Tinha a cauda como um leque
e as asas como pavão,
pescoço, cabeça  e bico,
lavanca, chave e botão.
Voava igual ao vento
para qualquer direção.

Quando Edmundo findou,
disse a Evangelista:
-Sua obra está perfeita,
ficou com bonita vista.
O senhor tem que saber
que Edmundo é artista.

Eu fiz um aeroplano
da forma de um pavão,
que arma e se desarma
comprimindo num botão,
e carrega doze arrobas
três légua acima do chão.

Foram experimentar
se tinha jeito o pavão.
Abriram lavanca e chave,
carregaram num botão,
o monstro girou suspenso
maneiro como um balão.

O pavão de asas abertas
partiu com velocidade,
cortando todo espaço
muito em cima da cidade.
Como era meia-noite,
voaram a sua vontade.

Então disse o engenheiro:
- Já provei minha invenção.
Fizemos experiência,
tome conta do pavão.
Agora o senhor me paga
sem promover discussão.

Perguntou Evangelista:
- Quanto custa teu invento?
- Dá-me cem contos de réis,
achas caro o pagamento?
O rapaz lhe respondeu:
- Acho pouco, dou duzentos.

Edmundo inda lhe deu
uma serra azougada,
que serrava caibros, ripas
sem que fizesse zuada.
Tinha os dentes de navalha
de gume bem afiada.

Deu um lenço enigmático,
que enquanto Creusa gritava
chamando pelo pai dela,
então o moço passava
ele no nariz da moça:
com isso ela desmaiava.

Então disse o jovem turco:
- Muito obrigado fiquei
do Pavão e dos presentes.
Para a luta me armei,
amanhã à meia-noite
com Creusa conversarei.

À meia-noite o Pavão
do muro se levantou,
com as lâmpadas apagadas,
como uma flecha voou
bem no palácio do conde
na cumeeira aterrou.

Evangelista em silêncio
cinco telhas arredou.
Num buraco de dois palmos
caibros e ripas serrou
e pendurou uma corda,
por ela se escorregou.

Chegou no quarto de Creusa,
onde dormia a donzela
debaixo dum cortinado
feito de seda amarela.
E ele para acordá-la
pós a mão na testa dela.

A moça estremeceu,
acordou no mesmo instante
e viu um rapaz estranho
de rosto muito elegante,
que sorriu para ela
com o olhar fascinante.

Então Creusa deu um grito:
- Papai, um desconhecido
entrou aqui no meu quarto.
Sujeito muito atrevido!
Venha depressa, papai,
pode ser algum bandido.

O rapaz lhe disse: - Moça,
entre nós não há perigo.
Estou pronto a defendê-la
como um verdadeiro amigo.
Venho é saber da senhora
se quer se casar comigo.

O jovem puxou o lenço,
no nariz dela tocou.
Deu uma vertigem na moça,
de repente desmaiou,
e ele subiu na corda
chegando em cima tirou.

O rapaz juntou os caibros
e consertou o telhado.
E calcando em seu Pavão
voou bastante vexado,
foi esconder seu Pavão
aonde foi fabricado.

O conde acordou aflito
quando ouviu a zuada.
Entrou no quarto da filha,
desembainhou a espada.
Mas a encontrou sem sentido,
dez minutos desmaiada.

Procurou por todos cantos
com a espada na mão,
berrando e soltando pragas,
irado como um leão,
dizendo: - Onde encontrá-lo,
eu mato este ladrão.

Creusa lhe disse: - Papai,
pois eu vi neste momento
um jovem rico e elegante
me falando em casamento,
não vi quando ele encantou-se
porque deu-me um passamento

Disse o conde: - Neste caso
tu estás mesmo a sonhar.
Moça de dezoito anos
já pensando em se casar?
Se aparecer casamento,
eu saberei desmanchar.

Evangelista chegou
às duas da madrugada.
Assentou o seu Pavão
sem que fizesse zuada,
desceu pela mesma trilha
na corda dependurada.

Creusa estava deitada
dormindo o sono inocente.
Seus cabelos como um véu
que enfeita puramente;
como um anjo terreal
que tem lábios sorridentes.

O rapaz muito sutil
foi pegando na mão dela.
Então a moça acordeu-se,
ele garantiu a ela
que não era malfazejo:
- Não tenhas medo, donzela.

A moça o interrogou,
dizendo: - Quem é o senhor?
Disse ele: - Sou estrangeiro,
te consagrei grande amor.
Se não fores minha esposa
a vida não tem valor.

Creusa achou impossível
o moço entrar no sobrado.
Então perguntou a ele
do jeito que tinha entrado,
e disse: - Vai me dizendo
se és vivo ou encantado.

- Como lhe tenho amor
me arrisco fora de hora,
moça não negues o sim
a quem tanto te adora.
Creusa aí gritou: - Meu pai,
venha ver o homem agora.

Ele aí passou-lhe o lenço,
ela caiu sem sentido.
Ele subiu pela corda
por onde tinha descido.
Ao chegar em cima disse:
- O conde será vencido.

Ouviu-se tocar corneta,
o brado do sentinela,
o conde se dirigiu
ao quarto da donzela.
Viu a filha desmaiada
não pôde falar com ela.

Até que a moça tornou,
disse o conde: - É um caso sério.
Sou fidalgo muito rico
atentado em meu critério,
mas nós vamos descobrir
o autor deste mistério.

- Minha filha, eu já pensei
num plano muito sagaz:
passa esta banha amarela
na cabeça desse audaz;
só assim descobriremos
esse anjo ou satanás.

Só sendo uma visão
que entra neste sobrado.
Só chega à meia-noite,
entra e sai sem ser notado.
Se é gente deste mundo
usa feitiço encantado.

Evangelista também
desarmou o seu Pavão,
a cauda, capota e bico,
diminuiu a armação.
Escondeu o seu motor
em um pequeno caixão.

Depois de sessenta dias,
alta noite em nevoeiro,
Evangelista chegou
em seu Pavão tão maneiro,
desceu pela mesma trilha
a seu modo traiçoeiro.

Já era a terceira vez
que Evangelista entrava
no quarto em que a condessa
à noite se agasalhada.
Pela força do amor,
o rapaz se arriscava.

Com pouco a moça acordou,
foi logo dizendo assim:
- Tu tens dito que me amas
com um bem-querer sem fim.
Se me amas com respeito,
te senta perto de mim.

Evangelista sentou-se,
pode-se a conversar com ela.
Trocando riso esperava
a resposta da donzela.
Pos-lhe ela a mão na cabeça,
espalhou a banha amarela.

A condessa levantou-se
com vontade de gritar.
O rapaz tocou-lhe o lenço,
sentiu ela desmaiar
deixou-a numa síncope
tratou de se retirar.

E logo Evangelista,
voando da cumeeira,
foi esconder seu Pavão
nas folhas de uma palmeira,
Disse: - Na quarta viagem
levo a condessa estrangeira.

Creusa passou o resto
da noite malsossegada,
acordou pela manhã
meditativa e cismada.
Se o pai não perguntasse,
ela não dizia nada.

Disse o conde: - Minha filha,
parece que estás doente,
sofrendo algum acesso?
Porque teu olhar não mente:
o tal rapaz encantado
te apareceu certamente.

Creusa lhe disse: - Papai,
eu cumpri o seu mandado.
O rapaz apareceu-me,
mas achei-o delicado;
passei-lhe a banha amarela
e ele saiu marcado.

O conde disse aos soldados
que a cidade patrulhassem,
tomassem os chapéus dos homens
que nas ruas encontrassem.
Um de cabelo amarelo
ou rico ou pobre pegassem.

Evangelista vestiu-se
em roupa de alugado.
Encontrou com a patrulha,
o seu chapéu foi tirado.
Viram o cabelo amarelo,
disseram:- Esteja intimado.

Os soldados lhe disseram:
- Cidadão não estremeças,
tás preso às ordens do conde.
Acho bom que não te cresças;
vais à presença do conde,
se és duro não esmorecas.

Você hoje vai provar,
por sua vida responde
como é que tem falado
com a filha do nosso conde?
Enquanto ele o procura,
onde é que você se esconde?

Respondeu-lhe Evangelista:
- Também me façam um favor.
Enquanto eu vou vestir
minha roupa superior,
na classe de homem rico
ninguém pisa meu valor.

Disseram: - Pode mudar
sua roupa de nobreza.
A moça bem que dizia
que o rapaz tinha riqueza.
Vamos ganhar umas luvas
e o conde, uma surpresa.

Evangelista saiu
conversando com o guarda,
até que se aproximou
durma palmeira copada.
Então disse Evangelista:
- Minha roupa está trepada.

E os soldados olharam
em cima, viram um caixão.
Mandaram ele subir,
ficaram de prontidão.
Pegaram a conversar,
prestando pouca atenção.

Evangelista subiu,
pôs o dedo no botão.
Seu monstro de alumínio
ergueu a sua armação,
dali foi se levantando
seguiu voando o Pavão.

E os soldados gritaram:
- Amigo, o senhor desça.
Deixe de tanta demora,
é bom que não aborreça,
senão com pouco uma bala
visita sua cabeça.

Então mandaram subir
um soldado de coragem.
Disseram: - Pegue na perna,
arraste com a folhagem.
Está passando da hora
de voltarmos da viagem.

Quando o soldado subiu,
Gritou: - Perdemos a acão!
Fugiu o moço voando,
de longe vejo o Pavão.
Zombou de nossa patrulha,
aquele moço é o cão.

Voltaram e disseram ao conde
que o rapaz tinham encontrado,
mas do olho duma palmeira
o rapaz tinha voado.
Disse o conde: - É o cão
que com Creusa tem falado!

Creusa sabendo da história
chorava de arrependida,
por ter marcado o rapaz
com banha desconhecida.
Disse:- Nunca mais terei
sossego na minha vida!

Disse Creusa: - Ora, papai,
me priva da liberdade.
Não consente que eu goze
a distração da cidade.
Vivo como criminosa
sem gozar a mocidade.

Aqui não tenho direito
de falar com um criado,
um rapaz para me ver
precisa vir encantado.
Mas talvez que ainda fuja
desse maldito sobrado.

O rapaz me tem amor.
Só queria vê-lo agora
para cair em seus braços,
como a infeliz que chora,
embora que eu depois
morresse na mesma hora.

Mas eu sei que para ele
não mereço confiança.
Enquanto ele vinha aqui
eu inda tinha esperança
de sair desta cadeia
que dá sentença à criança.

Às quatro da madrugada
Evangelista desceu.
Creusa estava acordada,
nunca mais adormeceu.
A moça estava chorando,
o rapaz apareceu.

O jovem cumprimentou-a,
deu-lhe um aperto de mão.
A condensa ajoelhou-se
para lhe pedir perdão.
Disse:- Foi pai quem mandou
eu fazer-lhe a traição.

O rapaz disse: - Menina,
a mim não fizeste mal.
Toda moça é inocente,
tem seu papel virginal.
Cerimônia de donzela
é cousa mui natural.

Todo meu sonho dourado
é te fazer minha senhora.
Se queres casar comigo,
te arrumas, vamos embora,
senão o dia amanhece
e se perde a nossa alma.

-Se o senhor é um homem sério
e comigo quer casar,
pois tome conta de mim,
aqui não quero ficar.
Se eu falar em casamento,
meu pai manda me matar.

-Não importa que ele mande
tropa e os navios nos mares,
minha viagem é aérea,
meu cavalo anda nos mares.
Nós vamos fugir daqui,
casar em outros lugares.

Creusa estava empacotando
vestido mais elegante.
O conde entrou no quarto
dando um berro vibrante, 
dizendo:— Filha maldita,
vais morrer com teu amante.

O conde rangiu os dentes
e avançou com passo extenso.
Deu um pontapé na filha,
dizendo:— Sou eu quem venço.
Logo no nariz do conde
o rapaz passou o lenço.

Ouviu-se o baque do conde,
porque rolou desmaiado.

A última cena do lenço
deixou-o magnetizado.
Disse o moço:— Dez minutos
pra sairmos do sobrado.

Creusa disse:— Estou pronta,
já podemos ir embora.
E subiram pela corda
até que saíram fora.
Se aproximava a alvorada,
pela cortina da aurora.

Com pouco o conde acordou,
viu a corda pendurada.
Na coberta do sobrado
distinguiu-se uma zuada,
e as lâmpadas do aparelho
mostrando luz variada.

E a gaita do Pavão
tocando com rouca voz,
o monstro de olhos de fogo
projetando seus faróis.
O conde mandando pragas
disse:— Creusa é contra nós.

Os soldados da patrulha
estavam de prontidão.
Disseram: — Vem ver, fulano!
Lá vai passando o Pavão.
O monstro fez uma curva
para tomar direção.


Então disse um dos soldados:
— Orgulho é pura ilusão.
Um pai governa uma filha,
mas não manda o coração.
Bem agora a condessinha
vai fugindo no Pavão.


 O Conde olhou para a corda,
viu o buraco no telhado.
Como ele fora vencido
pelo rapaz atilado, 
adoeceu só de raiva,
morreu por não ser vingado.


Logo que Evangelista
 foi chegando na Turquia
 com a condenssa da Grécia,
fidalga de monarquia,
 em casa de João Batista
casaram no mesmo dia.


Em casa de João Batista
deu-se grande ajuntamento,
 dando o viva aos noivados, parabéns de casamento. 
A noite teve retreta
 com visita e cumprimento.


 Enquanto Evangelista
 gozava imensa alegria,
 chegava um telegrama
 da Grécia para a Turquia
chamando a condenssa Creuza
 pelo motivo que havia.


Dizia o telegrama:
 "Creuza, vem com teu marido
 receber a tua herança.
 O Conde já é falecido.
 Tua mãe deseja ver
 o genro desconhecido." 


A condessa estava valendo
 com o telegrama na mão.
  Entregou a Evangelista,
que mostrou a seu irmão,
 dizendo:— Vamos voltar
 por uma justa razão.


 De manhã, assim que os noivos acabaram de almoçar,
 Creusa em traje de noiva,
 se aprontou para viajar
 de palma, véu e capela,
 pois só vieram casar.


Diziam os convidados: 
—A condessa é tão novinha
 e vestida assim de noiva
se torna mais bonitinha;
 está com um buquê de flores,
 seria como uma rainha. 


Os noivos tomaram assento
 no Pavão de alumínio
 e o monstro se levantou, 
foi ficando pequenino. 


Continuou seu vôo
 no rumo do seu destino.


Na cidade de Atenas 
estava a população
 esperando pela volta
 do aeroplano Pavão,
 ou "o cavalo do espaço"
 que imita o avião.


 Na tarde do outro dia
 que o Pavão foi chegado.
 Em casa de Edmundo
 ficou o moço hospedado,
 seu amigo de confiança, 
que foi bem recompensado.


 E também a mãe de Creuza
já esperava vexada.
 A filha mais tarde entrou
muito bem acompanhada.
 De braço com o seu noivo,
 disse:— Mamãe, tô casada.


Disse a velha:— Minha filha,
 saíste do cativeiro.
Fizeste bem em fugir
 e casar no estrangeiro.
 Tomem conta da herança,
meu genro é meu herdeiro.
___________________________________
Além de famoso como cantador repentista,
João Melquíades Ferreira da Silva foi militar
veterano, tendo participado das campanhas
de Canudos, em 1897, e do Acre, em 1903.
Nasceu em Bananeiras, Paraíba, em 7 de setembro de 1869, e faleceu em dezembro de 1933. Entre suas obras mais conhecidas estão As quatro moças do céu, História de Juvenal e Leopoldina e Roldão no Leão de Ouro.
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