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A realidade da vida

Na minha infância adorada meu avô sempre contava
muita história engraçada
e de todas eu gostava.
Mas uma delas havia
com maió filosofia,
e eu como poeta sou
e só rimando converso,
vou aqui contá em verso
o que ele em prosa contou.

Rico, orgulhoso, profano,
reflita no bem comum.
Veja os direitos humanos,
as razão de cada um.
Da nossa vida terrena,
dessa vida tão pequena,
a beleza não destrua.
O direito do banqueiro
é o direito do trapeiro
que apanha os trapo na rua.

Pra que vaidade e orgulho?
Pra que tanta confusão,
guerra, questão e barulho
dos irmão contra os irmão?
Pra que tanto preconceito?
Vivê assim desse jeito,
esta existência é perdida.
Vou um exemplo contá
e nestes verso mostrá
a realidade da vida.

Quando Deus Nosso Sinhô
foi fazê seus animá
fez o burro e lhe falou:
--- Tua sentença eu vou dá.
Tu tem que sê escravizado
levando os costá pesado
conforme o teu dono queira.
E sujeito a toda hora
aos fino dente da espora,
mais a brida e a cortadeira.

Tu tem que a vida passá
com esta dura sentença.
E por isso eu vou te dá
uma pequena existência,
já que em tuas carnes tora
brida, cortadeira, espora,
e é digno de piedade
e cruel teu padecê.
Para tanto não sofrê
te dou trinta ano de idade.

O burro ergueu as orelha
E ficou a lamentá:
--- Meu Deus, ô sentença feia
está que o Senhor me dá.
Levando os costá pesado,
e de espora cutucado,
trinta ano quem agüentá?
E mais outras coisa lôca,
a brida na minha boca
e a cortadeira na venta?

Vivê trinta ano de idade
desse jeito é um castigo.
E é grande a perversidade
que o meu dono faz comigo.
E além desse escangalho,
me bota mais um chocalho,
que é pra quando eu me sortá
de longe ele ouvi o tom?
Dez ano pra mim tá bom,
tenha dó de meu pegá!

A Divina Majestade
fez o que o burro queria,
dando os dez ano de idade
da forma que ele pedia
mode segui seu destino.
E o nosso artista divino
a quem pode se chamá
de artista, santo e perfeito,
continuou satisfeito
fazendo mais animá.

Fez o cachorro e ordenou:
--- Tu vai trabalhá bastante,
do dono e superiô
será guarda vigilante.
Tem que a ele acompanhá,
fazendo o que ele mandá
nas arriscada aventura,
até fazendo caçada
dentro da mata fechada
nas trevas da noite escura.

Tu tem que sê sentinela
da morada do teu dono,
para nunca ele ficá
no perigo e no abandono.
Tem que sê amigo exato,
na casa e também no mato,
mesmo com dificuldade,
subindo e descendo morro;
teu nome é sempre cachorro
e vinte ano é a tua idade.

Quando o cachorro escutou
aquela declaração,
disse bem triste: --- Sinhô,
tenha de mim compaixão!
Eu desgraço meu focinho
entre pedra, toco e espinho
pelo mato a farejá,
ficando sujeito até
a presa de cascavé
e unha de tamanduá.

Vinte ano neste serviço
sei que não posso agüentá.
É grande meu sacrifício
não posso nem descansá.
Sendo da casa o vigia,
trabaiando noite e dia
neste grande labacé,
tenha de mim piedade,
dos vinte eu quero a metade
e os dez dê aquém quisé.

O cachorro se alegrou
e ficou muito feliz
porque o Sinhô concordou
da maneira que ele quis.
Ficou bastante contente
e o Deus Pai Onipotente
fez o macaco em seguida.
E depois da explicação,
qual a sua obrigação,
lhe deu trinta ano de vida.

E lhe disse: --- O teu trabalho
é sempre fazê careta,
pulando de galho em galho
com as maió pirueta.
Tu tem que sè buliçoso,
fazendo malicioso
careta pra todo lado,
pulando, sempre pulando
muita vez até ficando
pela cauda pendurado.

O macaco ouviu aflito
e ficou cheio de espanto.
Deu três pulo e deu três grito,
se coçou por todo canto.
E disse: --- Ô que sorte preta,
pulando e a fazê careta,
trinta ano, assim eu me acabo.
Sinhô, será que eu não caio
lá  da pontinha do galho
pendurado pelo rabo?

É bem triste a minha sina,
trinta ano de cambalhota.
Com esta cintura fina,
a minha força se esgota.
Ô Divina Majestade,
me desculpe esta verdade,
mas vejo que é um capricho
a idade que Deus me deu.
Tire dez anos dos meu
pra idade doutro bicho.

Deus concordou e ele disse:
--- Já saí do aperreio!
Fez diversas macaquices,
deu dez pinotes e meio,
agradecendo ao Sinhô. 
E o Divino Criadô,
com o seu sabê profundo,
lhe dando o esboço e o nome,
num momento fez o home
e ao mesmo entregou o mundo.

E lhe disse: --- Esta riqueza
é para tu governá,
toda essa imensa grandeza,
o espaço, a terra, o má.
Vou te dá inteligência
mode tratá de ciência,
mas com a tua noção
use do grau de iguardade,
não faça perversidade,
não persiga teu irmão.

Nunca deixe te iludi
com ouro, prata e brilhante,
o que não quiser pra ti,
não dê ao teu semelhante.
Vivendo nesta atitude
serás dono da virtude
que é um dom da providência.
Para bem feliz vivê
e tudo isso resorvê,
trinta ano é a tua existência.

O  home inchou de vaidade
e com egoísmo louco
gritou logo: --- Majestade,
trinta ano pra me é pouco.
Vinte ano o burro enjeitou,
me dá pra mim, Sinhô,
mode eu pudê sê feliz.
Dez o cachorro não quis,
me dá que eu faço sessenta.
E ainda mais me destaco,
eu quero os dez do macaco
mode eu completá setenta.

O nosso Pai Soberano
atendeu o pedido seu;
vive o homem até trinta ano
a idade que Deus lhe deu.
De trinta até os cinqüenta
a sua tarefa aumenta
vive cheio de canseira.
De família carregado,
levando os costá pesado,
e é burro nem que não queira.

De cinqüenta até sessenta
já não pode mandá brasa,
aqui e acolá se assenta
botando sentido à casa,
porque já força não tem,
vive neste vai-e-vem
do cargo que ele assumiu.
Se encontra liberto e forro,
tá na vida do cachorro
que ele mesmo a Deus pediu.

De sessenta até  setenta
já com a cara enrugada,
constantemente freqüenta
os prédio da filharada.
Fazendo graça e carinho
para a turma de netinho,
beija neto e abraça neto
sentado mesmo no chão
e naquela arrumação
é um macaco completo.

Rico, orgulhoso, profano,
reflita no bem comum.
Veja os direitos humano,
a razão de cada um.
Em vez de fraternidade,
pra que tanta vaidade,
orgulhoso, enchendo o saco?
Este exemplo tá dizendo
que os home termina sendo
burro, cachorro e macaco.

Referência bibliográfica:
Patativa do Assaré  (Antônio Gonçalves da Silva)
"Filho de gato é gatinho", "Vicença e Sofia ou O castigo de mamãe", "O bicho mais feroz", "O boi zebu e as formigas" e "A 
realidade da vida". In: Ispinho e fulô. 1. ed. Fortaleza, Secretaria de Turismo e Desporte/Imprensa Oficial do 
Ceará, 1988.
"Bertolini e Zé Tingó" e "Aposentadoria de Mané do Riachão". In: Aqui tem coisa. 1.ed. Fortaleza, Ed. da Universidade do Ceará 
  (UEC)/RCV Editora e Artes Gráficas Ltda., 1994.

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