Bertulino e Zé Tingó
Zé Tingó:
- Meu bom dia, Bertulino,
como vai meu camarada?
Já faz uns pouco de dia
que eu ando em sua pisada.
Com muito cuidado e pressa,
fiz até uma promessa
pra não vortá sem lhe vê.
E vou logo lhe avisando,
eu ando lhe precurando
mode proséa com você
Bertulino:
- Pois não, amigo Tingó,
agora nóis vamo a ela
vai já encontrá um texto
que dê na sua panela.
Vô preguntá pra você
e tem que respindê,
se é poeta profundo,
e rima sem quebrá pé,
vá me dizendo qual é
a coisa maió do mundo.
Zé Tingó:
- Bertulino, esta pregunta
te respondo muito bem.
Das coisa que anda sem fôrgo,
a mais maió é o trem,
mas porém de bicho vivo,
vou lhe falá positivo,
do que eu conheço hoje em dia
e agora tô lembrado,
é o boi zebu raciado
do Coroné Malaquia.
Bertulino:
- Zé Tingó, eu nunca vi
tão tolo assim como tu.
A coisa maió do mundo
não é trem nem boi zebu.
Colega, a coisa maió
e também a mais mió
eu vou lhe dizê qual é,
sem demorá um segundo:
a coisa maió do mundo
é o grande amô da muié.
Zé Tingó:
- Eu não creio, pois a minha
tem um gênio muito mau.
Já bateu até em mim
com um pedaço de pau.
Me tratando com rigô,
isto assim não é amô,
amô assim ninguém qué.
Hoje eu me julgo perdido
porque andava iludido
com trapaça de muié.
Bertulino:
- Tingó, o cabra valente
que briga com dois ou três,
tanto perto de muié,
briga até com cinco ou seis.
Alguém diz que é valentão,
pula de faca na mão,
faz medo e faz rapapé.
Mas porém tudo é bobagem:
o home só tem coragem
com grande amô da muié.
Zé Tingó:
- Vou lhe mostrá um exemplo.
Eu vi o Chico Mutuca,
rapaz bom e de prestígio
que nunca gostou de infuca.
Amô a uma donzela,
ela rapou-lhe a canela,
deu nas venta com os pé.
E foi triste o resultado:
ele morreu enforcado
por causa desta muié.
Bertulino:
- Também lhe mostro um exemplo.
Eu vi o Véio Jacó
cacundo, triste e bizungo
porque não tinha um xodó.
Mas topou uma cabrocha
com os dois óio de tocha
e a sua fala de mé.
E hoje o véio anda linheiro,
todo engomado e no cheiro,
com o grande amô da muié.
Zé Tingó:
- O que eu sei é que a muié
de seu Mané Cajuêro
pegou com salto de bode,
fugiu com um miçangueiro.
E sabe o que aconteceu?
Seu Mané endoideceu,
da vida perdeu a fé.
Hoje o miserável tá
no asilo da capitá
por causa dessa muié.
Bertulino:
- Tingó, muié tem milagre.
O rapaz do Zé Vinvim
andava triste e calado,
tudo pra ele era ruim.
A vida não tinha graça,
só vivia na framaça
de um dotô de muita fé.
E o remédio não deu jeito,
mas ficou bom e perfeito
com o grande amô da muié.
Zé Tingó:
- Eu não lhe duvido não.
Muié tem umas mistura,
a muié é como veneno:
muié mata e muié cura.
Tem a bonita e a mais feia,
umas anda como oveia
e outras, como o jacaré.
Porém já conheço a fundo
que os desmantelo do mundo
é por causa de muié.
Bertulino:
- Zé Tingó, o dinheiro é grande,
com ele tudo se anima,
mas o amô da muié
derruba e passa por cima.
O trabaidô da roça,
o vagabundo da troça,
o dotô e o coroné,
tudo isto que eu tô falando
só é feliz encontrando
um coração de muié.
Zé Tingó:
- Algum pode ser feliz,
porém outros corre estreito,
porque neste mundo tem
coração de todo jeito.
Todo vivente do chão
tem por certo um coração,
até mesmo a cascavé.
E por isto eu penso assim,
mora muita coisa ruim
no coração da muié.
Bertulino:
- Ninguém fale de muié,
seja lá que muié fô.
Ela foi sempre no mundo
jóia de grande valô,
deste os tempos de outrora.
Veja que Nossa Senhora
se casou com São José,
e com isto se conhece
que até o santo obedece
ao grande amô da muié.
Zé Tingó:
- Porém Eva era medonha,
era doida e sacudida,
teimou com Deus e comeu
uma fruta proibida,
e ao marido ofereceu.
E o pobre, quando comeu,
que dá miséria deu fé,
soluçou de arrependimento.
E o mundo ficou perdido
por causa dessa muié.
Bertulino:
- Colega, nunca estudei,
eu não sei lê nem contá.
Mas porém muitas das vez
pego sozinho a pensá
que a terra e sua montanha
com a grandeza tamanha,
do mar com sua maré
e do mundo a redondeza,
ainda não tem grandeza
igual o amô da muié.
Zé Tingó:
- Bertulino, é seu engano,
ói minha comparação:
a muié é como a arapuca
e o home é como o canção.
O canção vê a arapuca
e pega naquela infuca
e mexe e remexe até
que fica preso e sujeito.
Pois é deste mesmo jeito
o bem-querer da muié.
Bertulino:
- Mas meu colega, Tingó,
tu bem pode avaliá
que uma cabeça bonita
com os óio de venha cá,
deixa o cabra sugigado.
Eu já tenho imaginado
que até mesmo o luculé,
que anda procurando as arma,
se alvoroça e perde a carma
vendo as arma da muié.
Zé Tingó:
- Colega, vamo deixá,
nem eu nem você tem sorte,
porque questão de muié
só quem resolve é a morte.
Decidi é impossive,
nesse assunto incompreensive
cada um diz o que quê.
E até logo Bertulino,
grosadô véio mofino
adulado de muié.
Referência bibliográfica:
Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva)
"Filho de gato é gatinho", "Vicença e Sofia ou O castigo de mamãe", "O bicho mais feroz", "O boi zebu e as formigas" e "A
realidade da vida". In: Ispinho e fulô. 1. ed. Fortaleza, Secretaria de Turismo e Desporte/Imprensa Oficial do
Ceará, 1988.
"Bertolini e Zé Tingó" e "Aposentadoria de Mané do Riachão". In: Aqui tem coisa. 1.ed. Fortaleza, Ed. da Universidade do Ceará
(UEC)/RCV Editora e Artes Gráficas Ltda., 1994.
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