O cavalo que defecava dinheiro.
Na cidade de Macaé,
antigamente existia
um duque velho invejoso
que nada satisfazia.
Desejava possuir
todo objeto que via.
Esse duque era compadre
de um pobre muito atrasado
que morava em sua Terra,
num rancho todo estragado.
Sustentava seus filhinhos
com a vida de alugado.
Se vendo o compadre pobre
naquela vida privada,
foi trabalhar nos engenhos
longe de sua morada;
na volta trouxe um cavalo
que não servia para nada.
Disse o pobre à mulher:
—Como havemos de passar?
O cavalo é magro e velho,
não pode mais trabalhar.
Vamos inventar um quengo,
pra ver se o querem comprar.
Foi na venda, de lá trouxe
três moedas de cruzado,
sem dizer nada a ninguém
só pra não ser censurado.
No fiofó do cavalo
foi o dinheiro guardado.
Do fiofó do cavalo
ele fez um mealheiro.
Saiu dizendo:— Sou rico!
Inda mais que um fazendeiro,
porque possuo um cavalo
que só defeca dinheiro.
Quando o duque velho soube
que ele tinha esse cavalo,
disse pra velha duquesa:
—Amanhã vou visitá-lo.
Se o animal for assim,
faça o jeito de comprá-lo
Saiu o duque vexado
fazendo que não sabia,
saiu percorrendo as terras
como quem não conhecia.
Foi visitar a choupana,
onde o pobre residia.
Chegou salvando o compadre,
muito desinteressado:
—Compadre, como é que vai?
Onde tanto tem andado?
Há dias que não o vejo,
parece estar melhorado...
—É muito certo, compadre.
Ainda não melhorei
porque andava por fora,
faz três dias que cheguei.
Mas breve farei fortuna
com um cavalo que comprei.
— Se for assim, meu compadre,
você está muito bem!
É bom guardar o segredo,
não conte nada a ninguém.
Me conte qual a vantagem
que este seu cavalo tem?
Disse o pobre:— Ele está magro,
só tem o osso e o couro,
porém tratando-se dele,
meu cavalo é um tesouro.
Basta dizer que defeca
níquel, prata, cobre e ouro!
Aí chamou o compadre
e saiu muito vexado,
para o lugar onde tinha
o cavalo defecado.
O duque ainda encontrou
três moedas de cruzado.
Então exclamou o velho:
— Só pude achar essas três!
Disse o pobre:— Ontem à tarde
ele botou dezesseis!
Ele já tem defecado
dez mil-réis. mais de uma vez.
—Enquanto ele está magro
me serve de mealheiro.
Eu tenho tratado dele
com bagaço do terreiro,
porém depois dele gordo
não há quem vença o dinheiro...
Disse o velho:— Meu compadre,
você não pode tratá-lo.
Se for trabalhar com ele,
vai com certeza matá-lo.
O melhor que você faz
é vender-me este cavalo!
—Meu compadre, este cavalo
eu posso negociar,
só se for por uma soma
que dê para eu passar
com toda minha família
e não precise trabalhar.
O velho disse ao compadre:
—Assim não é que se faz.
Nossa amizade é antiga,
desde os tempos de seus pais.
Dou-lhe seis contos de réis.
Acha pouco, ainda quer mais?
— Compadre, o cavalo é seu!
Eu nada mais lhe direi.
Ele, por este dinheiro
que agora me sujeitei,
para mim não foi vendido,
faça de conta que dei!
O velho pela ambição
que era descomunal,
deu-lhe seis contos de réis
tudo em moeda legal.
Depois pegou no cabresto
e foi puxando o animal.
Quando ele chegou em casa,
foi gritando no terreiro:
— Eu sou o homem mais rico
que habita o mundo inteiro!
Porque possuo um cavalo
que só defeca dinheiro!
Pegou o dito cavalo,
botou na estrebaria,
milho, farelo e alface
era o que ele comia.
O velho duque ia lá
dez, doze vezes por dia...
Logo no primeiro dia
o velho desconfiou,
porque na presença dele
o cavalo defecou.
Ele procurou dinheiro,
nem um tostão, encontrou.
Aí o velho zangou-se,
começou logo a falar:
— Como é que meu compadre
se atreve a me enganar?
Eu quero ver amanhã
o que ele vai me contar.
Porém o compadre pobre
(bicho de quengo lixado)
fez depressa outro plano
inda mais bem arranjado,
esperando o velho duque
quando viesse zangado...
O pobre foi na farmácia,
comprou uma borrachinha,
depois mandou encher ela
com sangue de uma galinha.
E sempre olhando a estrada
para ver se o velho vinha.
Disse o pobre à mulher:
— Faça o trabalho direito.
Pegue esta borrachinha,
amarre em cima do peito,
para o velho não saber,
como o trabalho foi feito!
Quando o velho aparecer,
não volta daquela estrada,
você começa a falar,
eu grito:— Oh, mulher danada!
Quando ele estiver bem perto,
eu lhe dou uma facada.
Porém eu dou-lhe a facada
em cima da borrachinha
e você fica lavada
com o sangue da galinha.
Eu grito:— Arre danada!
Nunca mais comes farinha!
Quando ele vir você morta,
parte para me prender,
então eu digo pra ele:
— Dou jeito dela viver.
O remédio tenho aqui,
faço para o senhor ver!
—Eu vou buscar a rabeca,
começo logo a tocar.
você então se remexa
como quem vai melhorar.
Com pouco, diz: — Estou boa,
já posso me levantar.
Quando findou-se a conversa
nessa mesma ocasião,
o velho ia chegando,
aí travou-se a questão.
O pobre passou-lhe a faca,
botou a mulher no chão.
O velho gritou a ele,
quando viu a mulher morta:
—Esteja preso, bandido!
E tomou conta da porta.
Disse o pobre: — Vou curá-la!
Pra que o compadre se importar?
O senhor é um bandido
infame de caradura.
Todo mundo apreciava
esta infeliz criatura.
Depois dela assassinada,
O senhor diz que tem cura?
— Compadre, não admito
que o senhor diga mais nada.
Não é crime se matar,
sendo a mulher malcriada.
E apenas com dez minutos,
eu dou a mulher curada!
Correu, foi ver a rabeca,
começou logo a tocar.
De repente o velho viu
a mulher se endireitar.
E depois disse:— Estou boa,
já posso me levantar...
O velho ficou suspenso
de ver a mulher curada,
porém como estava vendo
ela muito ensangüentada,
correu ela, mas não viu,
nem o sinal da facada.
O pobre entusiasmado
disse-lhe:— já conheceu?
Quando esta rabeca estava
na mão de quem me vendeu,
tinha feito muitas curas
de gente que já morreu!
No lugar onde eu estiver
não deixo ninguém morrer.
Como eu a consegui
muita gente quer saber.
Mas ela me está tão cara
que não me convém dizer.
O velho que tinha vindo
somente propor questão,
porque o cavalo velho
nunca botou um tostão,
quando viu a tal rabeca
quase morre de ambição.
— Compadre, você me desculpe
de eu o ter tratado assim,
porque agora estou certo
eu mesmo fui o ruim.
Porém a sua rabeca
só serve bem para mim.
Mas como eu sou um homem
de muito grande poder,
o senhor é um homem pobre
ninguém quer o conhecer,
perca o amor da rabeca...
Responda se quer vender.
Porque a minha mulher
também é muito estouvada.
Se eu comprar esta rabeca
dela não suporto nada.
Se quiser teimar comigo,
eu dou-lhe uma facada.
Ela se vê quase morta,
já reconhece o castigo,
mas eu com esta rabeca
salvo ela do perigo.
Ela daí por diante,
não quer mais teimar comigo!
Disse-lhe o compadre pobre:
— O senhor faz muito bem.
Quer me comprar a rabeca,
não venderei a ninguém.
Custa seis contos de réis,
por menos nem um vintém.
O velho muito contente
torna então a repetir:
— A rabeca já é minha,
eu preciso a possuir.
Ela para mim foi dada,
você não soube pedir.
Pagou a rabeca e disse:
— Vou já mostra à mulher!
A velha zangou-se e disse:
— Vá mostrar a quem quiser!
Eu não quero ser culpada
do prejuízo que houver.
O Senhor é mesmo um velho avarento e interesseiro.
Que já fez do seu cavalo
que defecava dinheiro?
Meu velho, dê-se ao respeito,
não seja tão embusteiro.
O velho, que confiava
na rabeca que comprou,
disse a ela:—Cale a boca!
O mundo agora virou.
Dou-lhe quatro punhaladas,
já você sabe quem sou.
Ele findou as palavras,
a velha ficou teimando.
Disse ele:— Velha dos diabo,
você ainda está falando?
Deu-lhe quando punhaladas,
ela caiu arquejando...
O velho muito ligeiro
foi buscar a rabequinha,
Ele tocava e dizia:
— Acorde, minha velhinha!
Porém a pobre da velha
nunca mais comeu farinha.
O duque estava pensando
que sua mulher tornava.
Ela acabou de morrer,
porém ele duvidava.
Depois então conheceu
que a rabeca não prestava.
Quando ele ficou certo
que a velha tinha morrido,
botou os joelhos no chão
e deu tão grande gemido,
que o povo daquela casa
ficou todo comovido.
Ele dizia chorando:
—Esse crime hei de vingá-lo.
Seis contos desta rabeca
com outros seis do cavalo,
eu lá não mando ninguém,
porque pretendo matá-lo.
Mandou chamar dois capangas:
—Façam-me um surrão bem-feito.
Façam isto com cuidado,
quero ele um pouco estreito,
com uma argola bem forte,
pra levar este sujeito!
Quando acabar de fazer,
mande este bandido entrar
para dentro do surrão,
e acabem de costurar.
Levem-no para o rochedo,
pra sacudi-lo no mar.
Os homens eram dispostos,
findaram no mesmo dia.
O pobre entrou no surrão,
pois era o jeito que havia.
Botaram o surrão nas costas
saíram numa folia.
Adiante disse um capanga:
— Está muito alto o rojão,
eu estou muito cansado.
Botemos isto no chão!
Vamos tomar uma pinga,
deixe ficar o surrão.
— Tá, muito bem, companheiro,
vamos tomar a bicada!
(Assim falou o capanga
dizendo pro camarada.)
Seguiram ambos pra venda,
que ficava além da estrada...
Quando os capangas seguiram,
ele cá ficou dizendo:
—Não caso porque não quero,
me acho aqui padecendo...
A moça é milionária,
o resto eu bem compreendo!
Foi passando um boiadeiro,
quando ele dizia assim.
O boiadeiro pediu-lhe:
— Arranje isto pra mim.
Não importa que a moça
seja boa ou ruim!
O boiadeiro lhe disse:
—Eu dou-lhe de mão beijada,
todos os meus possuídos
vão aqui nessa boiada...
Fica o senhor como dono,
pode seguir a jornada!
Ele, condenado à morte,
não fez questão, aceitou.
Descoseu o tal surrão,
o boiadeiro entrou.
O pobre, morto de medo,
num minuto costurou.
O pobre, quando se viu
livre daquela enrascada,
montou-se num bom cavalo
tomou conta da boiada.
Saiu por ali dizendo:
— A mim não falta mais nada.
Os capangas nada viram
porque fizeram ligeiro.
Pegaram o dito surrão
com o pobre do boiadeiro,
voaram de serra abaixo,
não ficou um osso inteiro.
Fazia dois ou três meses
que o pobre negociava.
A boiada que lhe deram
cada vez mais aumentava.
Foi ele um dia a passar
onde o compadre morava...
Quando o compadre viu ele,
de susto empalideceu:
— Compadre, por onde andava,
que agora me apareceu?!
Segundo o que me parece,
está mais rico do que eu...
—Aqueles seus dois capangas voaram-me num lugar.
Eu caí de serra abaixo,
até na beira do mar.
Aí vi tanto dinheiro,
quanto pudesse apanhar!...
— Quando me faltar dinheiro,
eu prontamente vou ver.
O que eu trouxe não é pouco,
vai dando para eu viver
junto com a minha família,
passar bem até morrer.
— Compadre, a sua riqueza
diga que foi eu quem dei!
Pra você recompensar-me
tudo quanto lhe arranjei,
é preciso que me bote
no lugar que lhe botei!...
Disse-lhe o pobre:— Pois não,
pronto estou pra lhe mostrar!
Eu, junto com os capangas,
nós mesmos vamos levar.
E o surrão de serra abaixo
sou eu quem quero empurrar!...
O velho no mesmo dia
mandou fazer um surrão.
Depressa meteu-se nele,
cegado pela ambição.
E disse:— Compadre eu estou
à tua disposição!
O pobre foi procurar
dois cabras de confiança.
Se fingindo satisfeito,
fazendo a coisa bem mansa.
Só assim ele podia
tomar a sua vingança.
Saíram com este velho
na carreira, sem parar.
Subiram de serra acima
até o último lugar.
Daí voaram o surrão,
deixaram o velho embolar...
O velho ia pensando
de encontrar muito dinheiro,
porém sucedeu com ele
do jeito do boiadeiro,
que quando chegou embaixo
não tinha um só osso inteiro.
Este texto nos mostra
que a ambição nada convém.
Todo homem ambicioso
nunca pode viver bem.
Arriscando o que possui
em cima do que já tem.
Cada um faça por si,
eu também farei por mim!
É este um dos motivos
que o mundo está ruim,
porque estamos cercados
dos homens que pensam assim.
Referência Bibliográficas:
Leandro Gomes de Barros
O cavalo que defecava dinheiro. 3. ed. Fortaleza, Tupynanquim Editora/Academia Brasileira de Cordel, 2003.
" Casamento e divórcio da Lagartixa".In: Proença, Manuel Calvacanti.
Literatura popular em verso. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Ed. da Universidade de São Paulo, 1986.
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